Serigrafia
52x35 cm
275,00 €
Traz nos olhos a largura
amplíssima da charneca alentejana e rodeia os gestos de uma calma melancólica,
de fim de tarde. Estamos com Armando Alves. Pressente-se o reconhecimento do
avizinhar da noite e faz-se desejar o interior da paisagem, a sua intimidade.
No Alentejo ele nasceu. Ali conheceu terra e luz, homens e bichos. Embora
radicado no Porto, do torrão não se despega. É a motivação dos seus quadros,
diz. Mas para além do pretexto, «tem de acontecer a pintura»,
acrescenta.
De
facto, entrevistado em 1983, advertia Armando Alves: «a pintura não é só
motivação. É também acto: quadro, realização. E, aí, as coisas complicam-se de
verdade».
No
atelier do artista, conversando,
vamos tentar descomplicar as coisas o mais possível. Estamos num rés-do-chão de
prédio ainda novo. Vasco Graça Moura, que há meses nos precedeu, situa-o «ali
para a Quinta Seca, ao descer da Circunvalação para Matosinhos». À
entrada, o visitante passa entre quatro telas, duas de cada lado e uma de cada
um de «Os quatro Vintes». Em estantes próximas, colecções de barros de
Estremoz, o sabor da terra natal. Diversas pinturas inacabadas, de grandes
dimensões, poisam ao acaso. Armando anda com elas às voltas desde há tempo:
pinta-as e repinta-as, teimam-lhe em não ficar prontas. Outras quatro estão em
fase de execução com vista a «bienal» em Espanha.
Naquela
mesma entrevista, de 1983, publicada inédita no álbum «Aproximação ao silêncio»
(1987), Armando Alves explica-se: «O que pretendo transmitir não é, nunca foi,
uma paisagem naturalista, mas sim toda a «carga» de impressões,
sentimentos, conhecimentos». (…) «Exemplos? Um cheiro. Um sabor a terra
molhada. O calor que se inscreve num gesto que pode ser um rumor de vento, de
pássaro… Sim: eis o que movia. Pequeninas coisas de um quotidiano familiar a
que não é estranha a relação com o outro e a riqueza sempre renovada que vem
dessa relação».
Num
breve relance, o artista resume a sua evolução pictórica de uns bons 30 anos,
os primeiros quadros de índole figurativa com laivos cubistas, depois as
abstracções e logo, em sucessão, composições com recurso a cores puras e
luminosas, a fase do Arco-Íris, uma entrega total à cor e
à criação de transparências, atmosferas, paisagens que sentimos a respirar como
nós, ao nosso hálito.
Enfim,
depois das hesitações iniciais, da exploração e apropriação da linguagem
plástica, Armando Alves segue um caminho, o seu. Marca-o a coerência: o artista
fala-nos da necessidade conseguir uma recriação das coisas com sinceridade,
procurando realçar com intensidade os valores universais. Ouvimo-lo:
«Tenho
que tornar cada quadro numa obra de arte em elementos de composição, cores,
etc., independentemente de aquilo que a motivou, do seu ponto de partida. Ele
tem que falar a um japonês como falará a um alentejano.»
Armando
diz que sempre sentiu a arte «de uma forma romântica, com atitude séria»,
até por causa das circunstâncias difíceis do tempo e lugar onde começou. Ele,
tal como outros artistas – recorda -, teve que arranjar outras formas de
sobreviver, recorrendo ao ensino, às artes gráficas, etc. Num desabafo: «Gostaria
de só ter pintado na vida, porque é muito mais difícil fazer tudo o que eu fiz».
Vasco
Graça Moura, no álbum citado, refere-se a um «Armando Alves professor da
ESBAP, decorador, galerista, fotógrafo, autor de posters, panfletário, gráfico,
desenhador, sei lá…». Quanto à função de galerista (desde fins de
1986), justifica-a: «Entendi que ela (a galeria) suprimia determinadas lacunas existentes
na cidade e procurei imprimir-lhe uma dinâmica especial para dignificar os
artistas e o público ao qual a arte se dirige.»
O
atelier envolve-se no sossego do
exterior. A luz espalhada infiltra-se por telas verticais dispostas perto dos
vidros. Armando evoca-se, enquanto aluno da ESBAP, na distante transição dos
anos 50-60, fala da «sorte» de ter tido bons professores (Dordio, Augusto
Gomes, Resende, Sousa Felgueiras) e colegas, dos ateliers que com estes
teve desde o primeiro ano escolar. Aí aprendeu «a tal oficina», como se
fazem as coisas. Mais tarde, na docência, procurou transmitir esse saber,
incentivando a aprendizagem, a necessidade das descobertas.
«A
arte tem de trocar ideias e conhecimentos – diz. – No fundo é comunicação entre as pessoas. Em
cada pintura que faço procuro uma superação da anterior. Cada quadro deve ter
de facto um elemento novo de composição, para conseguir a evolução que todo o
artista deseja.»
A
necessidade das descobertas, em suma. Para avançar. A consciência de uma arte
sempre sincera e verdadeira face aos elementos de que dispuser em cada caso.
Daí
o dizer de Fernando Pernes, impresso também naquele álbum: «De
facto, formulada no apelo ao intuitivo, a sua pintura desperta-nos a memória do
que de mais longínquo somos e esquecemos. Talvez por isso, estes quadros
reconduzem-nos Àquele sentido da arte que apenas raros mestres do humilde e do
sublime souberam articular, numa consciência estética, simultaneamente
intimista e coral, irmanando a substancialidade telúrica ao mistério lírico.»
No
mesmo sentido, poderá ver-se em Armando Alves, dotado com a sua boa
corpulência, ou na sua pintura, uma orquestração infinita dos quatro elementos
naturais, a terra, o ar, a água, e sol (que é fogo), constantemente recriados,
multiformes, policromos e musicais.
Ainda
no texto de Vasco Graça Moura, são de sublinhar duas linhas que falam de «um
ressentimento quase subliminal das pontes entre o abstracto e o figurativo,
entre a caligrafia e a representação» na pintura do artista. E, de
Óscar Lopes, também são de reter duas linhas: «Os (seus) quadros
vêem-nos e o que neles procuramos é um olhar que nos veja até ao fundo dos
olhos e seja mais nosso do que o próprio olhar.»
Armando
Alves aprecia especialmente o que os homens de letras têm escrito sobre os seus
quadros. Fez até questão de exarar pelo seu punho, na «Aproximação ao
silêncio»: «São os escritores, os artistas quem falam melhor do que eu faço, da
presença da paisagem do Alentejo, da semente que nasce, do bando de pássaros
que revoa na seara…»
A
conversa centra-se agora na questão do lugar da nossa crítica de arte. O
artista afirma que não há crítica mais severa do que a própria autocrítica.
Cortante, prossegue:
«Com
toda a sinceridade, ela não me importa nada, não lhe dou grande importância. Não
passa de uma série de lugares-comuns em moda. Na crítica, como em arte, há
modas, os críticos repetem-se em círculos fechados e isso fá-la morrer à
nascença. É bom que haja sempre uma renovação e nós não vemos renovação em lado
nenhum. Há excepções, que confirmam a regra.»
Armando
considera que os críticos deviam produzir textos claros e acessíveis, não
herméticos. Deviam procurar convivência com os artistas, que não têm, pois «não
sabem como se faz uma pintura, só de teoria». Acha que «a
tal oficina» os habilitaria a escrever de outro modo. Assim, eles «falam
do que não entendem ou só entendem de maneira teórica», isto na
generalidade dos casos.
A
crítica de Armando aos críticos - «meia dúzia de pessoas» - alarga-se:
não compreendem os artistas da geração anterior, com provas dadas, favorecendo
artistas jovens. Exemplifica com Júlio Resende. «Um grande pintor, não precisa
que o digam, mas os jornais são veículos importantes de comunicação, também
pode matar-se pelo silenciamento». Armando acrescenta:
«Nos
outros países, há mais gente a fazer crítica, aqui há bastante menos, e eles,
em círculo fechado, repetem-se, esquecendo que os novos ficam velhos num
instante.»
Todavia,
o público «sabe o que deve preferir». Sente, porventura, que a obra dos
artistas consagrados se desenvolve em coerência e, portanto, eles «não
podem dar saltos, acompanhar as modas como se jovens fossem». Enfim,
existe hoje um mercado para a arte. Portugal acompanha assim outros países.
Armando
Alves, com 52anos, reparte-se actualmente por uma oficina de restauros e
molduras, trabalhos de arte gráfica e galeria. A sua pintura fica para os
sábados e domingos, ou outros tempos que uma grande disciplina, sua preocupação
constante, consegue inventar. Nasceu a 7 de Novembro de 1935, em Estremoz.
Concluiu o curso na Escola de António Arroio, em 1954. Passados dois anos expôs
pela primeira vez em Lisboa e na Póvoa de Varzim. Concluiu o curso da ESBAP em
1962, sendo convidado para professor assistente. Em 1965 fez a primeira exposição
individual no Porto. Constituiu em 1968 o grupo «Os Quatro Vintes», com Ângelo
de Sousa, Jorge Pinheiro e José Rodrigues. A sua obra espalha-se pelo país e
estrangeiro.
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